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A Natureza da Meditação

Se investigarmos o que é a meditação, respondo: A meditação é o ato de a alma retirar-se de si mesma para que, por meio de reflexão séria e solene sobre Deus, o coração seja elevado às afeições celestiais. Essa descrição tem três divisões.

1. A meditação é a alma retirar-se de si mesma

Um cristão, quando vai meditar, deve guardar-se com segurança do mundo, pois ele rouba a meditação. Cristo foi sozinho ao monte para orar (Mateus 14:23); do mesmo modo, aparte-se quando for meditar. “Isaque saiu para meditar no campo” (Gênesis 24:63); ele se isolou e se retirou para que pudesse caminhar com Deus pela meditação.

Zaqueu pretendia ver Cristo e saiu do meio da multidão: “Correndo adiante, subiu a uma figueira brava para o ver” (Lc 19:4).

Da mesma forma, quando formos ver Deus, devemos nos ausentar da multidão dos assuntos mundanos. Devemos escalar a árvore pelo retiro da meditação e lá teremos a melhor perspectiva do céu. A música do mundo ou nos deixará adormecidos ou nos distrairá em nossas meditações.

Quando uma partícula de poeira cai no olho, impede a vista; quando pensamentos mundanos, como poeira, caem sobre a mente, que é o olho da alma, ela não pode mais olhar tão firmemente para o céu pela contemplação.

Portanto, assim como Abraão foi para o sacrifício e “deixou seus servos e o jumento ao pé do monte” (Gênesis 22:5), também, quando um cristão está subindo a montanha da meditação, deve deixar todos os cuidados seculares ao pé dela, para que esteja sozinho e totalmente voltado para o céu. Se as asas da ave estiverem cheias de lodo, ela não pode voar. A meditação é a asa da alma; quando um cristão está enlameado com a terra, não pode voar para Deus nessa asa.

Quando Bernardo de Claraval vinha à porta da igreja, costumava dizer: “Fiquem aqui todos os meus pensamentos mundanos, para que possa conversar com Deus no templo”. Desse modo, diga a si mesmo: “Agora vou meditar. Ó pensamentos vãos, fiquem para trás, não se aproximem”.

Quando for subir ao monte da meditação, tome cuidado para que o mundo não o siga e o atire para baixo do topo desse pináculo. Esta é a primeira coisa, a alma retirar-se de si mesma. Tranque e aferrolhe a porta contra o mundo.

2. A segunda coisa na meditação é um pensar sério e solene sobre Deus

A palavra hebraica para meditar significa recoletar e reunir com intensidade os pensamentos. A meditação não é um trabalho apressado, ter alguns pensamentos passageiros sobre a religião, como os cães do Nilo, que bebem rapidamente. Mas deve haver na meditação uma fixação do coração sobre o objeto, uma maceração dos pensamentos.

Cristãos carnais são como mercúrio, que não se consegue fixar, seus pensamentos ficam perambulando para cima e para baixo e não se alicerçam. São como a ave que pula de um galho para outro e não permanece em lugar algum. Davi era um homem apto a meditar: “Firme está o meu coração, ó Deus!” (Salmo 108.1).

Na meditação deve haver uma firmeza dos pensamentos sobre o objeto. Um viajante, que passa com pressa por uma cidade ou vila, não se interessa por nada. Mas um artista ou um pintor, que estão em busca de algo fora do comum, veem todo o seu rascunho e retrato, observam a simetria e proporção, interessam-se por cada sombra e cor.

Um cristão carnal e inconstante é como o viajante, seus pensamentos viajam com pressa e não se importam nem um pouco com Deus. Um cristão sábio é como o artista, observa com seriedade e pondera nas coisas da religião: “Maria, porém, guardava todas estas palavras, meditando-as no coração” (Lc 2.19).

3. A terceira coisa na meditação é o despertamento do coração para as santas afeições

Um cristão entra em meditação como uma pessoa entra em um banho medicinal para que possa ser curada. A meditação cura a alma de seu definhamento e mundanismo. Porém, mais será dito a esse respeito adiante.

Fonte: Um Cristão no Monte: Um tratado puritano sobre a meditação

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